Tentativas de conversa
A Casa e o corpo de Marcos
Marcos está aqui.
Na sala de casa. Deitado no colchão improvisado que montei no chão.
Estou na casa dele, depois que ele voltou eu comecei a ajudar ele.
Tem dias que ele respira. Tem dias que eu acho que não.
Mas o peito se move. A garganta engole. Os olhos... às vezes... olham.
Eu dou comida. Ele come.
Mas ele não responde.
Não fala. Não dorme.
Só observa.
Hoje foi o terceiro dia desde que ele voltou.
E hoje, eu tentei falar com ele.
[Transcrição do trecho gravado – tentativa de conversa]
EU:
“Marcos… você consegue me ouvir?”
[Silêncio. Marcos pisca. Um dos olhos parece seguir minha mão.]
EU:
“Você sabe quem eu sou? Seu amigo, filho da falecida Emma, eu postei o que você escreveu, estou tentando alertar todo mundo… seu caderno está comigo, eu peguei ele, eu não sabia que você escrevia.”
[Marcos mastiga lentamente um pedaço de pão. As mãos dele tremem um pouco, como se estivesse com frio. Está quente.]
EU:
“Você morreu, Marcos. Cinco dias depois que o Sol parou. Você morreu.”
[Ele para de mastigar. Um tempo se passa. Ele continua com o pão na boca, estático.]
EU (voz mais baixa):
“Você lembra de alguma coisa...? Do que aconteceu com você?”
[Nada. Nenhuma resposta.]
EU:
“Você sabe que dia é hoje?”
MARCOS (baixíssimo):
“…segunda.”
[Pausa abrupta. Eu me aproximo.]
EU:
“O quê? Você disse… segunda?”
MARCOS:
“…segunda… de novo…”
A voz dele não parecia sair de dentro.
Parecia emprestada, empurrada por dentro da garganta, como se não pertencesse ao corpo.
Foi a primeira e única palavra que ele falou.
E depois, não abriu mais a boca. Nem pra comer.
Ficou parado. Olhos abertos. Respirando.
E segurando o caderno com uma força muito maior do que eu esperava de alguém naquele estado.
O mesmo caderno em que ele escrevia os relatos.
Agora, as páginas estão ficando em branco.
Algumas palavras simplesmente somem durante a noite.
Não sei por quanto tempo consigo manter ele aqui.
Não sei se ele ainda é o Marcos que eu conheço.
Ou se é só um reflexo de um tempo que está se dobrando sobre ele.
Mas por enquanto, ele está sob meus cuidados.
E eu estou registrando tudo.
Se for pra cair, que seja documentado.
Se for pra sumir, que alguém encontre as palavras.
Eu volto assim que tiver mais.
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